Periquito de Barro:

Tudo em Família

Por

Marcelo Miguel

Talvez ele realmente acreditasse que era um periquito.

Todas as manhãs, quando os periquitos chegavam no balcão da minha varanda,

ele já estava por lá. Em pé, me olhando do alto do balcão ou na beirada de algum dos vasos.

Todas as manhãs, quando os periquitos chegam no balcão da minha varanda, ele já está por lá.

Em pé, me olhando do alto do balcão ou caminhando em cima de algum dos vasos.

 

Geralmente quando os periquitos chegam e o tumulto se instala, em meio as brigas e a disputa pelas sementes, Jonh-Jonh não se intimida e caminha tranquilamente por entre os periquitos na minha frente; Mas ele não é um periquito.

 

John-John é um João de Barro. Um pequeno e frágil João de Barro com uma de suas patas tortas. Aparentemente um defeito de nascença ou talvez um acidente da natureza. Desde a primeira vez que eu o vi, percebi que seu pequeno pezinho era igual de um saci-pererê, voltado para o lado de dentro.

 

Mesmo assim, John-John era rápido. Com um só movimento ele consegue alçar voo, e quando é preciso, ele se esquiva dos ataques dos outros periquitos e das pombas. Mesmo assim, dia após dia, John-John vem comer junto com os periquitos na minha varanda. 

 

Na verdade, já são quase dois anos que o passarinho bate ponto aqui todas as manhãs e geralmente no final da tarde.

É sempre o primeiro a chegar e o último sair.

 

John-John já está bem entrosado e muito acostumado comigo e com o lugar.

Bate na minha janela de vez enquando quando quer sementes.

 

As vezes também, ele fica parado no balcão, ao meu lado apenas apreciando a vista e o movimento dos carros na rua.

Ficamos assim, parecendo que estamos jogando conversa fora. Um grande parceiro de varanda.

 

Penso até que ele parece feliz. Algumas vezes ele também para diante de mim, estufa o peito e solta um grito forte, um canto alto de João de Barro que ecoa por todo o quarteirão. 

 

Numa destas manhãs, Jonh-John chegou primeiro como sempre, parou diante de mim, pediu suas sementes, e enquanto eu o alimentava, outro pequeno João de Barro veio e se colocou ao nosso lado. Ambos ali, postados bem na minha frente.

 

Os dois então começaram a cantar. Cantaram alto, aquele grito estridente típico do João de Barro. Ai de repente, uma surpresa:  John-John começou a alimentar o seu filhote. Sim, John-John era pai. Ou mãe, ainda não tenho muita certeza sobre isso.

Mas não importa. Era o seu filhote.

 

Eu que achava que aquele pequeno passarinho de pé torto, que não sobreviveria muito tempo, me surpreendeu e fez muito mais do que sobreviver. O pequeno passarinho conseguiu seguir o ciclo da vida. Ele construiu uma família.

 

Mais corajoso e esperto que os demais, John-John tem aparecido com frequência. Não apenas com seu filhote, mas com um par deles e com outro companheiro ou companheira. Quatro barulhentos João de Barro. Tods os dias.

 

Vê-los ali, geralmente postados diante de mim, sem medo, enfrentando os periquitos, parecendo felizes como uma família é um desses momentos que não tem preço.

 

Assim, depois dessa primeira visita de John-John com a família, nesse primeiro dia, eu fiz aquilo o que me restava fazer:

Eu chorei. Chorei de felicidade e de alegria em perceber que meu simples gesto de alimentar um passarinho, de oferecer umas poucas sementes tem dado frutos. 

 

Chorei por perceber que isto é a natureza. Essa abençoada natureza.

E nada mais natural e perfeito do que a vida se renovando na varanda da sua casa.

Perfeita com todas as suas imperfeições. Perfeita com seu pezinho todo torto.

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John-John é um João de Barro com o pezinho torto. Ou sofreu um acidente ou nasceu desta maneira.

De qualquer forma, é um pássarinho forte, saudavel e feliz com mais de um ano de vida e agora uma família.

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Nunca tive dúvidas: A natureza tem sempre razão.

A natureza tem sempre razão